quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Meu corpo teu ninho

A simples lembrança dos teus dedos na minha nuca me arrepiam
Teu cheiro me habita a alma e meu peito, arfante, te recebe.
Me abraça, vem dormir comigo
Me ajuda a apagar do peito aquela dor do querer.
A noite se instala em mim.
Lá fora, apenas o silêncio da noite do teu olhar.

Vem.
Ocupa com teu corpo esse abrigo que te chama.
Volta a ser minha morada, teu abrigo
Faz de mim tua caverna, teu porto seguro.
Faz do meu corpo teu ninho.

Atordoada pelas saudades crescentes,
meu corpo todo se ouriça à tua procura
 .


Léa Waider

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Amo-te e amo o teu amor...

Chegado o momento
em que tudo é tudo
dos teus pés ao ventre
das ancas à nuca
ouve-se a torrente
de um rio confuso
Levanta-se o vento
Comparece a lua
Entre linguas e dentes
este sol nocturno
Nos teus quatro membros
de curvos arbustos
lavra um só incêndio
que se torna muitos
Cadente silêncio
sob o que murmuras
Por fora por dentro
do bosque do púbis
crepitam-me os dedos
tocando alaúde
nas cordas dos nervos
a que te reduzes

Assim o momento
em que tudo é tudo
Mais concretamente
água fogo música


David Mourão Ferreira

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Guarda a manhã


Guarda a manhã
Tudo o mais se pode tresmalhar

Porque
tu és o meio da manhã 

O ponto mais alto da luz 
Em explosão



Daniel Faria

As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões

As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo,
As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.

É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas

Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos

As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente.
Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.


Daniel Faria

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O meu amor disse-me...



O Teu Nome

Flor de acaso ou ave deslumbrante,
Palavra tremendo nas redes da poesia...

O teu nome, como o destino, chega,
O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo,

De todas as cores do dia!


Alexandre O'Neill

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mesa dos sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida.
 

Alexandre O'Neil

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Contigo aprendi coisas tão simples


Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhastes súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia a dia
mais que mulher tu és já a minha única viúva
Não posso dar-te mais do te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente



Ruy Belo

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Os amantes sem dinheiro

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com  a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

Eugénio de Andrade

sábado, 19 de junho de 2010

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

Ary dos Santos

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pechincha!!!!


A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo

E lambe, lambilonga, lambilente
a licorina gruta
e, quanto mais lambente, mais activa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos , balidos e rugidos

de leões na floresta... enfurecidos!

Carlos Drummond de Andrade

Morrer... só juntos!!!!!!

Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinícius de Moraes

terça-feira, 15 de junho de 2010


Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar

os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta

aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.

- Eugénio de Andrade -

quinta-feira, 27 de maio de 2010

...

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

Natália Correia;
Poesia Completa
1999

A sesta

Pierrot escondido por entre o amarello dos gyrassois espreita em cautela o somno d'ella dormindo na sombra da tangerineira. E ella não dorme, espreita tambem de olhos descidos, mentindo o sôno, as vestes brancas do Pierrot gatinhando silencios por entre o amarelo dos gyrassois. E porque Elle se vem chegando perto, Ella mente ainda mais o sôno a mal-resonar.

Junto d'Ella, não teve mão em si e foi descer-lhe um beijo mudo na negra meia aberta arejando o pé pequenino. Depois os joelhos redondos e lizos, e já se debruçava por sobre os joelhos, a beijar-lhe o ventre descomposto, quando Ella acordou cançada de tanto sôno fingir.

E Elle ameaça fugida, e Ella furta-lhe a fuga nos braços nús estendidos.

E Ella, magoada dos remorsos de Pierrot, acaricia-lhe a fronte num grande perdão. E, feitas as pazes, ficou combinado que Ella dormisse outra vez.

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'

sábado, 1 de maio de 2010

Iron and Wine



just like the way that you ran to wine
when they made the new milk turn
Jesus, a friend in the better times
let your mother's bible burn
freedom, a fever you suffered through
and the dog drank from your cup
frozen, the river that baptized you
and the horse died standing up

but when a southern anthem rings
she will buckle to that sound
when that southern anthem sings
it will lay her burdens down

just like the way you lost your guns
when they cut the clothesline loose
Jesus, a friend of the weaker ones
said, 'i'm all they stole from you'
freedom, a thistle that withered dry
still a baby in your hands
frozen, the ground refused to die
and the guitar rose again

but when that southern anthem rings
she will buckle to the sound
when that southern anthem sings
it will lay her burdens down

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Roll the dice

if you’re going to try, go all the way.

otherwise, don’t even start.

if you’re going to try, go all the
way.
this could mean losing girlfriends,
wives, relatives, jobs and
maybe your mind.

go all the way.
it could mean not eating for 3 or 4 days.
it could mean freezing on a
park bench.
it could mean jail,
it could mean derision,
mockery,
isolation.
isolation is the gift,
all the others are a test of your
endurance, of
how much you really want to
do it.
and you’ll do it
despite rejection and the worst odds
and it will be better than
anything else
you can imagine.

if you’re going to try,
go all the way.
there is no other feeling like
that.
you will be alone with the gods
and the nights will flame with
fire.

do it, do it, do it.
do it.

all the way
all the way.

you will ride life straight to
perfect laughter, its
the only good fight
there is.

Charles Bukowski

Girl In A Miniskirt Reading The Bible Outside My Window

Sunday, I am eating a
grapefruit, church is over at the Russian
Orthadox to the
west.

she is dark
of Eastern descent,
large brown eyes look up from the Bible
then down. a small red and black
Bible, and as she reads
her legs keep moving, moving,
she is doing a slow rythmic dance
reading the Bible. . .

long gold earrings;
2 gold bracelets on each arm,
and it's a mini-suit, I suppose,
the cloth hugs her body,
the lightest of tans is that cloth,
she twists this way and that,
long yellow legs warm in the sun. . .

there is no escaping her being
there is no desire to. . .

my radio is playing symphonic music
that she cannot hear
but her movements coincide exactly
to the rythms of the
symphony. . .

she is dark, she is dark
she is reading about God.
I am God.

Charles Bukowski

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Se tu viesses ver-me...

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca



sexta-feira, 9 de abril de 2010

Lindo demais...


Toco tua boca, com um dedo toco o contorno da tua boca, vou
desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão,
como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me
fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de
cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e
te desenha no rosto, a boca eleita entre todas, com soberana liberdade
eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e
que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente
com a tua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão de desenha.
Tu me olhas, de perto tu me olhas, cada vez mais perto e, então,
brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos
olhos se tornam maiores, aproximam-se, sobrepõe-se e os cíclopes
se olham, respirando indistintas, as bocas encontram-se e lutam
debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a
língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado
vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as
minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar
lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos
como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de
movimentos vivos, de fragrância obscura. E, se nos mordemos,
a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver
simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe
uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto
tremular contra mim, como uma lua na água.

Julio Cortázar

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Faz-me o favor


Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.
.
Tu és melhor -- muito melhor!--
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.
.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.
.
Tu és melhor -- muito melhor!--
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

Mário Cesariny

terça-feira, 30 de março de 2010

vinicius

Eu sei e você sabe
Já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham a você.

Assim como o Oceano, só é belo com o luar
Assim como a Canção, só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem, só acontece se chover
Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor, não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você!

Vinicius de moraes

quarta-feira, 24 de março de 2010

The Lords smile

People complain about the bad things that happen to em that they dont deserve but they seldom mention the good. About what they done to deserve them things. I dont recall that i ever give the Lord all that much cause to smile on me. But he did.


Cormac McCarthy;
No country for old men


terça-feira, 23 de março de 2010

Just a coin...

Anything can be an instrument, Chigurh said. Small things. Things you wouldn't even notice. They pass from hand to hand. People don't pay attention. And then one day there's an accounting. And after that nothing is the same. Well, you say. It's just a coin. For instance. Nothing special there. What could that be an instrument of? You see the problem. To separate the act from the thing. As if the parts of some moment in history might be interchangeable with the parts of some other moment. How could that be? Well, it's just a coin. Yes. That's true. Is it?

Cormac McCarthy;
No country for old men

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A kiss

Give me a kiss, and to that kiss a score;
Then to that twenty, adde a hundred more;
A thousand to that hundred; so kiss on,
To make that thousand up a million;
Treble that million, and when that is done,
Let's kiss afresh, as when we first begun.

Robert Herrick

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Happy Valentines day...

...Ou talvez uma viúva o tivesse encontrado e levado consigo; comprara-lhe uma cadeira de baloiço, mudara-lhe de camisola todas as manhãs, barbeara-o até os pêlos pararem de crescer, levara-o fielmente para a cama todas as noites, segredara palavrinhas meigas ao que restava do seu ouvido, rira com ele diante de uma chávena de café, chorara com ele sobre jornais amarelados, falara com veemência de ter filhos só dela, começara a sentir a falta dele antes de adoecer, deixara-lhe tudo no testamento, pensara só nele ao morrer e acreditara nele, embora sabendo que não passava de uma invenção...

Jonathan Safran Foer;
Está tudo iluminado

Before sunrise

Street poet:

Daydream, delusion, limousine, eyelash
Oh baby with your pretty face
Drop a tear in my wineglass
Look at those big eyes
See what you mean to me
Sweet-cakes and milkshakes
I'm delusion angel
I'm fantasy parade
I want you to know what I think
Don't want you to guess anymore
You have no idea where I came from::We have no idea where we're going
Latched in life
Like branches in a river
Flowing downstream
Caught in the current
I'll carry you
You'll carry me
That's how it could be
Don't you know me?
Don't you know me by now?


Before sunrise; the movie